Katherine Stone



       A perda da inocência e o amadurecimento tornam-nos mais preparados para vida, e na mesma proporção, menos iludidos, portanto, mais infelizes. Até que ponto é melhor ou não permanecer iludido?

Henri Jules Jean Geoffroy - Le Consigne (The Order)



      There is something so magical about being a child. The world is new, everything is an adventure, there are unlimited things to explore, and your imagination is free to create whatever possibilities it chooses. Then you become an adult. Children always have time to examine a new flower or exclaim over a rainbow. In this painting, they know well where the thieves are.



 

Francisco Caro - A que lugar voltar

 

Entendo que um dia me dissesses,

os teus poemas

falam de finitudes


Passada a encruzilhada do amor

não oferece a vida

quase outros caminhos


Tão da mesma

matéria jamais penetrada

são tempo e poesia

que ninguém ainda

logrou sabê-los, separá-los.


Francisco Caro - A poesia ou nada

 

Vemos o sol cair, e convimos

ambos que a vida é caminhar,

labirintos cegos

amargas solidões


Escreve-a,

dizes-me,

salva-te do segredo de viver,

cospe tudo.


Vivien Leigh ou Scarlett O'Hara

 


      "Nunca mais permitirei sentir-me insuficiente para ninguém. Se alguém acredita que há quem seja melhor do que eu, que siga em frente. Se o meu carinho não basta, que procure outro caminho. Se a minha essência não preenche, que busque o que falta. E se as minhas loucuras assustam, que se afaste.

      Se acharem o meu amor exagerado, o meu romantismo de qualidade inferior, ou a minha intensidade um fardo, que voem. Não tenho mais espaço para quem se incomoda com a grandiosidade do que sou e do que ofereço.

      Que voem, porque ao meu lado só quero quem compreenda que não vivo pela metade. Eu amo por inteiro, dou tudo de mim e exijo o mesmo. Não sou de rascunhos, sou de histórias completas. Não sou de passos tímidos, sou de mergulhos profundos.

      E se escolherem ficar, saibam: não sou uma fantasia de perfeição. Tenho os meus dias de mau humor, as minhas falhas e as minhas manias, mas carrego comigo uma alma cheia de virtudes e um coração imenso, pronto para amar sem reservas. Sou um misto de fragilidade e força, como todos nós, humanos.

      Amar é reciprocidade. Eu amo-te, tu amas-me. Eu respeito-te, tu entendes-me. E juntos, criamos algo real, com erros e acertos, mas sem nunca nos sentir menos do que somos. Porque não estamos mais aqui para aceitar menos do que merecemos, nem para carregar o peso de sermos insuficientes para quem não sabe enxergar a nossa grandeza."

      Nota: O texto é bom, mas até agora não comprovei que o mesmo, tenha sido escrito por Vivien Leigh. 


Ángeles Mora - Poética

 


Eu sei que estou aqui

para escrever a minha vida.

E que pouco a pouco cheguei

a esta cadeira.


E não quero errar.


Sei que vou contá-la

e que será mentira:

Em cima da mesa suja

uma gota de tinta.


Hans Ole Brasen - Morning Greeting



      Hans Ole’s works depict the simplicities of the everyday yet offer much abundance in narrative and artistic skill. He makes the simple seem elaborate, translates the glorious beauty of nature through paint and a discerning eye. The Danish title of this painting is the one used at the Charlottenborg Exhibition. The painting has also been called Ved Solnedgang (At sunset). 


Laura Ponce - De quando e agora

 


Quando eu me aferrava à tristeza

com a mesma insistência

dos cães a rondar os sacos do lixo,

o mundo era um lugar

menos amável, mas seguro

e eu podia prever o rito funerário.

Agora,

a felicidade plausível

tem um espinho,

isso do

desassossego.


Ester Vallejo - A la fresca



Cuando la luna se apague

Cuando su luz ya no brille

Ya no habrá nada mas bello

Que tus dos ojitos linda 

Ya no habrá nada mas bello

Que tus dos ojitos linda.


No me interesa ser grande

Ni la fama ni el dinero

Que las mejores estrellas

Son las que están en el cielo 

Que las mejores estrellas

Son las que están en el cielo. 


  Vente a tomar la fresca

  Las frescas a la fresca

  Me quedo con mis amigas

  A cantar dichas y penas

  Yo me quedo con ellas,

  Con la flor y con la hoguera.


Que se despierte la idea

Que no estemos tan dormidos

Que no me quemen las hojas

si soy árbol o soy libro

Que no me quemen las hojas

si soy árbol o soy libre.


  Y aunque se nuble el monte

  Y piense que nada brille

  Nos quedara recordarnos

  en los días más felices

  Nos quedara recordarnos

  en los días más felices.


Vente a tomar la fresca

Las frescas...


Y ya no habrá nada más bello

que las mejores estrellas

Y ya no habrá nada más bello

si soy árbol o soy libro

si soy árbol o soy libre

Libre.


Que ya no habrá nada

Que ya no habrá nada más bello

Que ya no habrá nada

Que ya no habrá nada más bello

Que las frescas a la fresca. 


¡Qué bonita!

Carmelo Guilén Acosta - Biografia

 


De repente, suponde-me uma árvore.

Não dessas em que fazem ninho os pássaros

ou que vivem cercadas de atenções.

Uma árvore, sim, de que pendem

restos de ternura, folhas secas,

corações perdidos, versos

que a ninguém servem de consolo.

Feita e direita

uma árvore de sobras

a cuja sombra se abrigam as pessoas.

Uma bela árvore inútil

sem outro fruto senão ilusões.

Humana, ali à mão de semear.


Alexander Ekman & Ballet de l'Opéra de Paris - Play

 


      O coreógrafo sueco Alexander Ekman é conhecido pelas suas obras audaciosas e pela sua personalidade brilhante. Com Play, ele convida o público a redescobrir a alegria da experimentação e dos sonhos. Ao comemorar o que foi esquecido, levanos a recordar como brincávamos quando éramos crianças, uma vez que, infelizmente, já não brincamos com tanta frequência quando somos adultos. A imaginação de Ekman ganha vida através de um cenário espetacular com estruturas metálicas e bailarinos suspensos no espaço para uma produção cheia de surpresa, energia rítmica e aventura.

Renato Guttuso - Walk in the Garden at Velate


      Renato Guttuso was one of the Italian painters of greatest international repute in the post-Second World War period. Together with other politically committed artists, he founded the Fronte Nuovo delle Arti which aimed to reinstate twentieth-century European art to its rightful place which Fascism had denied it. In this painting we can listen to the dialog between man and nature.


Carlos Nejar - Mão que voa

 


Poesia

não se aperta

na mão

como um pássaro

doente.


Poesia é a mão

que voa

com o pássaro.


Juan L. Ortiz - Para quê o vinho

 


Para quê o vinho, amigos meus,

se a lua, além, se despenha ébria nas águas?


Ide até à borda e sede dela, alheia docemente

em sua própria dança,

com os seus véus de silêncio que, de ténues, se igualam à areia.


Sede dela, que mesmo o eucalipto está nela, mais pálido.

E talvez, talvez, um momento perdidos, amigos meus,

encontreis pela mão, a seguir, no centro do baile,

figuras precárias e incrivelmente ligeiras, no fim da dança.


Para quê o vinho, então, se assim sereis mais ligeiros?


How beautiful, both her harp playing and the deer coming up



      This is like the beginning of a children's book. Imagine being a deer, spending its entire life in the forest, constantly vigilant of predators and in a moment faces the secrets of the mystery. Life is so short and so beautiful as this.


Ludwig Dettmann


      Ludwig Dettmann, 1865-1944, was a German Impressionist painter. Unfortunately, shortly before his death, he was added to the Gottbegnadeten list, a roster of artists considered crucial to Nazi culture.


António Cabral - Trás-os-Montes

 


Trás-os-Montes é uma sombra pintalgada de sol

com um rio ao fundo

para disfarçar.


      Nota: A foto que ilustra o pequeno poema é de uma aldeia encantadora de Trás-os-Montes. Vilarinho de Negrões que se situa no concelho de Montalegre, junto à margem sul da Albufeira do Alto Rabagão.


Um caso

 


      Um trabalhador de uma fábrica de peixe congelado viveu uma experiência que jamais esqueceria. Durante o expediente, acidentalmente ficou trancado dentro de um congelador. Gritou por socorro, mas o turno tinha terminado e não restava mais ninguém na fábrica. O frio intenso começou a consumi-lo, e ele percebeu que a morte era iminente.

      Quando já não havia esperança, algo inesperado aconteceu: a porta abriu-se, o segurança da fábrica salvou-o de morte certa.

      No dia seguinte, o gerente, surpreso com o ocorrido, perguntou ao guarda: "Como é que soube que ele estava lá dentro e que não tinha ido embora com os outros?"

      O segurança respondeu com simplicidade:

      "Entre todos os trabalhadores, ele era o único que me cumprimentava todos os dias. Sorria sempre para mim e perguntava como eu estava. Naquele dia, percebi que ele não se havia despedido. Não ouvi a sua voz nem lhe vi o sorriso. Senti que algo estava errado, então procurei por ele até encontrá-lo."


Álvaro de Campos - Ai, Margarida

 


Ai, Margarida,

Se eu te desse a minha vida,

Que farias tu com ela?

— Tirava os brincos do prego,

Casava c'um homem cego

E ia morar para a Estrela.


Mas, Margarida,

Se eu te desse a minha vida,

Que diria tua mãe?

— (Ela conhece-me a fundo.)

Que há muito parvo no mundo,

E que eras parvo também.


E, Margarida,

Se eu te desse a minha vida

No sentido de morrer?

— Eu iria ao teu enterro,

Mas achava que era um erro

Querer amar sem viver.


Mas, Margarida,

Se este dar-te a minha vida

Não fosse senão poesia?

— Então, filho, nada feito.

Fica tudo sem efeito.

Nesta casa não se fia.


      Comunicado pelo Engenheiro Naval Sr. Álvaro de Campos em estado de inconsciência alcoólica. 1-10-1927

Xabier Díaz & Adufeiras de Salitre - Cantiga da Montaña

 


Ó pasar pola túa porta levo presa e vou correndo

Porque non digan teus pais que de amores te pretendo

Ó pasar pola túa porta levo presa e vou correndo.


Dende aquí te estou mirando cara cara, frente a frente

E non che podo dicir o que o meu corazón sente

Dende aquí te estou mirando cara cara, frente a frente.


Neste lugarín pequeno amores hei de encontrar

Ou no pico ou no fondo ou no medio do lugar

Neste lugarín pequeno amores hei de encontrar.


Polo sol mándoche cartas pola lúa saudades

polas estrelas do ceo memorias que te regales

Polo sol mándoche cartas pola lúa saudades.


      O folclore da Galiza é estranho, mas adorável. Na Galiza, muito do que parece ser, não é. Pedras curam doenças. O fogo purifica o espírito e a sua fumaça absorve males do corpo e do espírito e leva-os embora para o além. A água cura, principalmente se for a do orvalho da noite de São João. As cinzas remediam males do corpo e espírito. A lua torna férteis as mulheres. Os barcos de pedra conseguem flutuar no mar. Duendes travessos assustam animais, fazem chover e brincam com bebés. Serpentes mágicas voam, mas só depois de adultas. Sedutoras feiticeiras vivem em povoados abandonados à busca das almas dos que por lá passam.


Kaoru Yamada



      Kaoru Yamada is a Japanese illustrator, copywriter, and AI artist. She finds beauty in nature and in the everyday lives of people. By looking at Kaoru's paintings, you will be reminded of the beauty that surrounds you. In this painting, the artist created more light than God's nature.


Antonio Colinas - Signos na pedra

 


Segue o caminho das pedras com musgo,

o que leva à grande rocha,

à raiz da ara, à raiz do tempo.

Olha para a neve humilde, do cume tutelar.

Põe os teus olhos nela, depois põe-nos na ara.

Põe as mãos também, que sosseguem como pombas,

que deitem raízes no silêncio gelado da pedra.

Verás nela sinais muito ligeiros,

signos ditados pelo céu,

símbolos de um tempo infinito,

revelação da alma que não morra.

Não podes ir mais além, não deves ir mais além.


"ara" significa "pedra do altar", pedra benta sobre a qual, durante a missa, o sacerdote coloca o cálice e a patena com a hóstia.


Charlotte Sorapure



      Charlotte's paintings always begin with an idea that has its basis in drawing and composition. Whether the subject is imagined or observed, she will usually make preparatory compositional studies, looking at the placement and relationship of intervals, shapes and rhythms.  Even what appears to be spontaneous or unexpected is usually the outcome of careful consideration.


Дунаю, Дунаю



      Enquanto o nosso coração fica amargurado com o que acontece na Ucrânia, ouçamos esta melodia. Que os vossos inimigos não turvem esta fonte pura de onde flui a beleza, onde os versos descrevem uma menina alegre que foi enviada pela mãe para lavar roupa no rio (Dunay). O grupo "Vyshnya" de Stanytsia Luhanska é a prova de que é possível constatar que a guerra é um disparate. 


Diphylleia grayi

 



      Nos recantos escondidos das florestas da Ásia Oriental e dos Montes Apalaches do leste dos Estados Unidos esta flor destaca-se não só pela sua beleza simples, mas também por uma propriedade que parece saída de um conto de fadas: quando entra em contacto com a água, as suas pétalas tornam-se completamente transparentes.

      É curioso como o seu nome científico provém do grego "di" e "phyllon", que significa "duas folhas", uma referência direta à disposição das suas folhas em pares opostos: algo muito simbólico. O seu epíteto específico, por outro lado, tem uma origem um pouco diferente. "Grayi" homenageia o botânico Samuel Frederick Gray, que deu grandes contributos ao estudo das plantas e dos vegetais no século XIX.


John Berger



      "O desejo sexual, se for recíproco, origina uma conspiração de duas pessoas que lida com o resto das conspiração que existem no mundo.

      É uma conspiração para dois. O plano é dar ao outro uma pausa diante da dor do mundo. Não a felicidade, mas um descanso físico diante da enorme responsabilidade dos corpos para com a dor. Em todos os desejos há tanta compaixão quanto apetite. Seja qual for a proporção, as duas coisas juntam-se. O desejo é inconcebível sem ferida. Se houvesse alguém sem feridas neste mundo, eu viveria sem desejo.

      O desejo anseia proteger o corpo desejado da tragédia que encarna e, além disso, acha-se capaz. A conspiração consiste em criar juntos um espaço, um lugar, necessariamente temporário, para se isentar da ferida incurável da carne. Aquele lugar é o interior do outro corpo. A conspiração consiste em deslizar para dentro um do outro, onde não possam ser encontrados. Desejo é uma troca de esconderijos."

      A tela: Laura Windvogel, mais conhecida por Lady Skollie na África do Sul.

Eduardo Errasti

 


Andas por aí a dizer

que eu exijo às mulheres

um certo nível intelectual

para saírem comigo.

Pelos vistos

esqueceste já que houve um tempo

em que eu daria tudo por ti.

O que demonstra

claramente que é mentira

isso que dizes.


The Red Balloon - Albert Lamorisse, 1956

 

School teaches knowledge, life needs wisdom.


Shirley Temple And Bill Robinson Dance From The Littlest Rebel 1935



      He was a 57-year-old Black man, she was six years old and white. Together, they danced into history as the first interracial tap-dancing couple in 1935’s The Little Colonel. Bill "Bojangles" Robinson called Shirley Temple his "darlin’". He was "Uncle Billy" to her. They would act and dance in three other films – The Littlest Rebel (in This video), Rebecca of Sunnybrook Farm, and Just Around the Corner. While Robinson was a star onstage in minstrel shows and vaudeville, he did not become famous as a Hollywood movie star until his collaboration with Temple.

Antonio Gamoneda - Estou nu diante da água imóvel

 


Estou nu diante da água imóvel.

Deixei a minha roupa no silêncio dos últimos ramos.


Isto era o destino:


chegar à margem e ter medo da quietude da água.


Jacobo Rauskin - Para te nomear


 

Eu chamo-te ribeirinho, embora

o teu nome seja docemente diferente.

E chamo-te ribeirinho por teres

um pouco do meu sol e da sua sorte

- brilhar e demorar-se por entre as flores

humildes, silvestres e pequenas.

E aí, diz-me, 

que mais, então que mais?


Um Chamamento antigo

 


      No Portugal profundo, a vida ensina-nos que as coisas mais preciosas são aquelas que não têm preço. É o cheiro do pão cozido em forno de lenha, o fumo a subir no ar fresco das manhãs, enquanto os campos se vestem de orvalho. É o som das enxadas que marcam o compasso da terra, das águas claras a correr nos regatos, ou das badaladas do sino da aldeia que ecoam como um chamamento antigo.

      As coisas mais simples guardam uma força silenciosa. Elas lembram-nos que, no coração de um mundo que corre depressa, o que importa está ali, na quietude do momento. É o calor da sopa servida em tigelas de barro, o cheiro das ervas secas no fumeiro, ou o céu estrelado que, em noites de silêncio absoluto, parece sussurrar segredos do passado. Não é o que acumulamos, mas o que sentimos – o toque da terra nas mãos, o olhar terno de quem nos conhece desde sempre, o conforto de pertencer.

      A simplicidade aqui tem uma magia única. Está na fé das procissões que atravessam caminhos de pó, no fado que ecoa pelas janelas abertas nas noites quentes de verão, ou nas mãos calejadas que plantam e colhem com o mesmo amor de gerações. É o riso que brota sem pressa à sombra de uma oliveira, o som da concertina que se junta ao bater dos pés numa dança espontânea.

      No Portugal profundo, a vida não pede pressa. Pede que se desacelere, que se olhe para os muros de pedra que sustentam o tempo, para as aldeias que guardam memórias como relíquias preciosas. Pede que se aprecie o cheiro da terra depois da chuva, o voo das andorinhas que anunciam a primavera, o abraço caloroso de quem oferece mais do que tem.

      No fim, o que define a vida aqui não são as grandes conquistas, mas os pequenos gestos que enchem a alma – o sorriso do pastor enquanto guarda o seu rebanho, a flor que insiste em nascer na fissura de um muro, a partilha de uma fatia de pão e de um copo de vinho à mesa. É a essência do que somos, simples e profunda, como a terra que nos sustenta e nunca nos abandona.

      Padre João Torres

René Magritte - La belle captive



O que é a arte? Um Deus criador no oitavo dia.

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