Claribel Alegria - Baralhando recordações

 


Baralhando recordações

deparei-me com a tua.

Não doía.

Tirei-a do estojo,

sacudi-lhe as raízes

ao vento,

pu-la a contraluz.

Era um vidro polido

refletindo peixes de cores,

uma flor sem espinhos

que não ardia.

Atirei-a contra o muro

e soou a minha sirene de alarme.

Quem lhe apagou o lume?

Quem derrancou o fio

à minha lança-recordação

que eu tanto amava?


      O poema transforma a memória num baralho simbólico, onde cada carta revela fragmentos de dor, amor e perda. O ato de "baralhar" sugere tanto tentativa de ordem quanto inevitável desordem emocional. As lembranças surgem como forças vivas que moldam a identidade, revelando um eu que negocia constantemente com seu passado. O poema explora a fragilidade humana e a persistência da memória como espaço de resistência, reconstrução e sobrevivência afetiva.


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