José Miguel Silva - Salão de beleza

 


Dorida visão, esta pobre velha à saída

do salão de beleza. apesar dos muitos

e pesados passos que deixou na terra,

ainda encontra forças para arrastar a alma

até ao reverso de um espelho e desenhar,

de memória, o contorno dos lábios,

armar o cabelo para mais uma ilusão.

Admirável a tenacidade das ervas

que à enxurrada opõem a verdura

de um grito e resistem à lição de Marco

Aurélio, ao prolongado cerco da realidade.

Admiráveis porque vestem de gala

para mais uma dança, já solitária,

num baile de fantasmas, todo mental,

sem darem crédito à melancolia

nem ouvidos ao tirânico juízo da crua,

da falsa, da estúpida carreta fúnebre.


in, Ulisses já não mora aqui

A pintura é de Christian Seybold.


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