José Brandão - Fotografia antiga


Era uma fotografia antiga, amarelada, puída

nos cantos, puída até no nariz e nos bigodes do avô.

Os três tios estão em fila, uma escadinha,

olhando um para o outro com o canto dos olhos.


Estão bravos, estão ali contra a vontade.

As tias, essas, erguem as testas orgulhosas.

Uma quer aparecer mais do que a outra.

São quatro, são feias e se julgam o centro do mundo.


O meu pai e a minha mãe encolhem-se num canto da foto.

Não têm nada a dizer, nem precisam: estão em casa.

Por mais que a companhia desagrade, estão em casa.


Deus permanece a um canto da sala, onipresente.

Posso sentir o perfume de Deus na foto que se esfarela.

Meus cinco irmãos se acotovelam com sorrisos marotos.


Eu ainda não nasci.


      Só a ascese nos devolverá o Paraíso perdido, só a Arte pode, desejando criar o Belo, nos dar momentos de transfiguração, de transcendência para além desse mundo de sombras e espectros. Assim, para Brandão cada poema é uma elevação da alma, a sua construção funciona como um exercício de ascese, de elevação do espírito, uma verdadeira simbiose entre o aperfeiçoamento do poema e da alma. No poema acima, ele recorda as origens.


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