Dizia
Kierkegaard que a multidão não tem mãos. Quando uma multidão comete um crime,
não são indivíduos que o cometem mas a multidão em cuja massa compacta
desaparecem as mãos. É verdade que a multidão que se vê nesta fotografia, sendo
pequena, permite distinguir os rostos individuais que dela fazem parte. Mas
isso não anula as mãos, homogéneas e uniformes, a erguerem-se na mesma
direcção, sejam as de crianças ou de adultos. O facto de serem mãos de crianças
e de adultos pode levar-nos a pensar em dois diferentes níveis de consciência,
dois grupos distintos, o das crianças e o dos adultos, presumindo-se que as
emoções, motivos e crenças que levam as primeiras a erguerem as mãos, são muito
diferentes das emoções, motivos e crenças que levam os primeiros. As crianças
estão ali como marionetas, sem saberem muito bem porquê, talvez por mera
imitação e contagiadas pelo entusiasmo dos adultos, enquanto adultos erguem as
mãos pela sua própria vontade autónoma, livre-arbítrio e um considerável nível
de consciência política.
Nada
mais falso. Quando se trata de crenças políticas, por muito adultos que sejam
os indivíduos, os seus desejos, emoções, crenças, estão muito longe dos níveis
de racionalidade que se exigem a um médico quando faz a avaliação de uma doença
ou a um engenheiro que precisa de saber como fazer uma ponte que não venha um
dia a cair. A política é uma actividade complexa e com um elevado grau de
racionalidade mas a relação das multidões com a política explica-se pelos
mecanismos mais elementares do comportamento e processos mentais do ser humano.
Por que riem aquelas mulheres e homens? Por que riem aquelas crianças? O que
sentem uns e outros? Por que erguem as mãos daquela maneira perante a presença
de um líder, de um slogan, de um cântico? Certamente que são movidos por forças
muito semelhantes. E, a haver semelhanças, não serão as crianças a
aproximarem-se dos adultos mas os adultos a aproximarem-se das crianças. E no
caso desta fotografia é desconcertante e bizarro o modo como o ovo da serpente
pode começar por parecer um ovo kinder que chega alegremente à mão erguida de
uma criança.
in,
Ponteiros Parados
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