Na Cova da Iria os pastorinhos tiveram visões e não
aparições, mas o valor não é menor porque, como notou Bento XVI, as visões têm uma
força de presença tal que equivalem à manifestação externa sensível.
A distinção entre aparições e visões não é nenhuma novidade pois,
como recordou Bento XVI quando era cardeal perfeito da Congregação para a
Doutrina da Fé, "A antropologia teológica distingue, neste âmbito, três formas
de percepção ou «visão»: a visão pelos sentidos, ou seja, a percepção externa
corpórea; a percepção interior; e a visão espiritual.
É claro que, nas visões de Lourdes, Fátima, etc, não se trata da percepção externa normal dos sentidos: as imagens e as figuras vistas não se encontram fora no espaço circundante, como está lá, por exemplo, uma árvore ou uma casa. Isto é bem evidente, por exemplo, no caso da visão do inferno (descrita na primeira parte do «segredo» de Fátima) ou então na visão descrita na terceira parte do «segredo», mas pode-se facilmente comprovar também noutras visões, sobretudo porque não eram captadas por todos os presentes, mas apenas pelos «videntes». De igual modo, é claro que não se trata duma «visão» intelectual sem imagens, como acontece nos altos graus da mística. Trata-se, portanto, da categoria intermédia, a percepção interior que, para o vidente, tem uma força de presença tal que equivale à manifestação externa sensível" (Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Comentário teológico, in A mensagem de Fátima, 26-6-2000).
É claro que, nas visões de Lourdes, Fátima, etc, não se trata da percepção externa normal dos sentidos: as imagens e as figuras vistas não se encontram fora no espaço circundante, como está lá, por exemplo, uma árvore ou uma casa. Isto é bem evidente, por exemplo, no caso da visão do inferno (descrita na primeira parte do «segredo» de Fátima) ou então na visão descrita na terceira parte do «segredo», mas pode-se facilmente comprovar também noutras visões, sobretudo porque não eram captadas por todos os presentes, mas apenas pelos «videntes». De igual modo, é claro que não se trata duma «visão» intelectual sem imagens, como acontece nos altos graus da mística. Trata-se, portanto, da categoria intermédia, a percepção interior que, para o vidente, tem uma força de presença tal que equivale à manifestação externa sensível" (Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Comentário teológico, in A mensagem de Fátima, 26-6-2000).
Assim sendo, não oferece dúvidas que, de facto, Nossa Senhora
não apareceu, em sentido técnico, na Cova da Iria. Que se tenha tratado de uma
visão e não de uma aparição não permite, contudo, afirmar que foi, como disse o
P. Anselmo Borges, apenas uma "experiência religiosa interior" dos videntes,
nem que, mesmo não sendo "necessariamente um delírio", teria sido contudo algo
meramente "subjectivo".
Bento XVI, no seu já citado comentário teológico à mensagem
de Fátima, esclarece ainda: "Este ver interiormente não significa que se trata de
fantasia, que seria apenas uma expressão da imaginação subjectiva. Significa,
antes, que a alma recebe o toque suave de algo real mas que está para além do
sensível, tornando-a capaz de ver o não-sensível, o não-visível aos sentidos:
uma visão através dos «sentidos internos». Trata-se de verdadeiros «objectos»
que tocam a alma, embora não pertençam ao mundo sensível que nos é habitual".
Atente-se aos termos usados pelo Cardeal Ratzinger para descrever as ‘aparições’
de Fátima: não "se trata de fantasia", nem de "uma expressão da imaginação
subjectiva", mas de "algo real", de "verdadeiros ‘objectos’"!
Prossegue Bento XVI, no seu comentário teológico: "Como
dissemos, a «visão interior» não é fantasia" – ao contrário do que o termo
‘visão imaginativa’, usado por D. Carlos Azevedo, na sua entrevista ao Público,
no passado dia 21, poderia levar a crer – "mas uma verdadeira e própria maneira
de verificação. Fá-lo, porém, com as limitações que lhe são próprias. Se, na visão
exterior, já interfere o elemento subjectivo, isto é, não vemos o objecto puro
mas este chega-nos através do filtro dos nossos sentidos que têm de operar um
processo de tradução; na visão interior, isso é ainda mais claro, sobretudo
quando se trata de realidades que por si mesmas ultrapassam o nosso horizonte".
Nada tem de muito surpreendente este esclarecimento se se
tiver em conta que, também no Evangelho, se recorre com frequência a metáforas
que facilitam a compreensão dos mistérios da fé: é óbvio que o inferno não pode
ser fogo, nem o céu um banquete e, quando Jesus diz que ele é "a videira
verdadeira" (Jo 15, 1), não se está a atribuir a si mesmo uma natureza vegetal,
mas apenas a sugerir que, da mesma forma como os ramos estão unidos ao tronco e
dele recebem a vida, assim também os cristãos em graça estão enxertados em
Cristo, de quem lhes vem a energia que alimenta a sua vida sobrenatural.
"Isto" – prossegue o Cardeal Ratzinger – "é patente em todas
as grandes visões dos Santos; naturalmente vale também para as visões dos
pastorinhos de Fátima. As imagens por eles delineadas não são de modo algum
mera expressão da sua fantasia, mas fruto duma percepção real de origem
superior e íntima". Portanto, se se trata, como explica Bento XVI, de uma "percepção
real de origem superior e íntima" e "não são de modo algum mera expressão da
sua (deles, pastorinhos) fantasia", impõe-se a conclusão óbvia: o seu valor não
é menor do que se se tivesse tratado, em sentido técnico, de autênticas
aparições, pois "tem uma força de presença tal que equivale à manifestação
externa sensível". Razão que explica também que a Conferência Episcopal
Portuguesa, na sua nota pastoral sobre o centenário de Fátima (Fátima, Sinal de Esperança
para o nosso tempo, Carta pastoral no Centenário das Aparições de Nossa Senhora
em Fátima, 2016), mantenha o uso do termo "aparições", mesmo não sendo o
tecnicamente mais preciso. Também o inquilino se refere à casa em que vive como
sendo sua, embora juridicamente não seja o seu proprietário.
in, Baseado no artigo do Observador escrito por P. Gonçalo Portocarrero de Almada, em 29 de Abril de 2017.
in, Baseado no artigo do Observador escrito por P. Gonçalo Portocarrero de Almada, em 29 de Abril de 2017.
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