¿Que ve, Jerónimo, tu ojo
atónito? Hieronymus Bosch é o último e talvez o maior dos pintores medievais. Ilustra o antigo e austero código ético, no qual cada um de nós está irremediavelmente condenado. Bosch descobriu o inconsciente e foi surrealista 400 anos antes.
Este 'oratório' fechado mostra o resultado do terceiro dia da Criação. Na parte superior pode ler-se a primeira parte do verso extraído do salmo 33 'ipse dixit et facta s(ou)nt' na porta direita, e a segunda parte 'ipse man(n) davit et creata s(ou)nt' na porta esquerda. Significam 'Ele o diz, e todo foi feito', 'Ele o mandou, e tudo foi criado'.
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Esta obra, com o título Jardim das Delícias Terrenas, é um tríptico de Hieronymus Bosch, que descreve a história do Mundo a partir da Criação, apresentando o Paraíso terrestre e o Inferno nos dois painéis laterais. Ao centro celebram-se os prazeres humanos, com participantes desinibidos, sem sentimento de culpa. O bem, o mal e o pecado no meio. Especula-se sobre os financiadores da obra, já que parece improvável que alguma igreja tradicional a tenha encomendado.
Em vez de Deus, o autor pintou Jesus com o rosto sujo de terra. Adão e Eva estão pálidos, anémicos. A macieira é agora uma palmeira e o confronto entre os animais prova que nunca houve paz no lugar.
A ilusão da liberdade. Os pássaros libertam-se da terra, alguns purificam-se na cor branca, mas todos se aprisionam na mesma terra. A arquitetura da torre e o redopio são parte do deslumbre.
A coruja adivinha a morte com o piar e fixa os olhos na rocha cravada de pedras preciosas. Como roda o pescoço 180º para cada lado é símbolo da filosofia. Ela procurava nos templos insetos atraídos pela luz.
Os quatro elementos não produzem criaturas belas. Há apenas um rumo e a preocupação primeira é a da sobrevivência. A cobra foi para um lugar alto e um rato protege-se dentro da carcaça de uma vitima.
Apesar das ilusões ninguém saí do mesmo sitio. Há um lago fechado onde esperamos por Deus. A ilusão da virgindade, do conhecimento e do voo. As águas deixaram de ser azuis e a relva não cresce.
O corpo feminino medieval. O diabo vivia nele e arrotava menstruação. O desejo humano criava aproximação, mas só com escafandro de proteção. Irónico o olhar do burro que ao mesmo tempo se vê ao espelho.
As consequências do pecado: o ovo roto e a osteoporose, a água sem luz, o filósofo que preserva a dor e as velhas barcas de Gil Vicente chegam ao porto.
A gula continua no Inferno. O ovo de onde saiu a serpente preserva o banquete. O diabo foi buscar vinho à pipa com os chifres tapados com um pano branco e o agressor será recebido à besta.
A gare Auschwitz medieval para pecadores. Antes do ano 1300 não havia ateus, mas prisioneiros dos sete vícios capitais: orgulho, avareza, gula, luxúria, ira, inveja, preguiça. A luz que não é de Deus.
Quem ousou trazer o Graal para o sótão do diabo? Afinal, já fomos assim: Pol Pot, Adolf Hitler, Joseph Stalin, Mao Tse-tung, Idi Amin Dada, Robert Mugabe e outros.
O cupido do Ódio é rápido, imprevisível e todos os ângulos são possíveis. O riso da 'eminência parda' é cínico, enquanto o arco está virado para o céu.
O homem é o único animal que ri. Quando ri, ele celebra a liturgia do burro e do porco. O riso libera o aldeão do medo do diabo, pois na festa dos tolos também o diabo aparece pobre e tolo. Com a música profana era o mesmo.
Os pássaros defecam seres humanos enquanto a trombeta do demo soa para baixo, para a terra. A expulsão da gula. A coroa é uma panela de ferro onde se fez a comida.
A Eva no país das não-maravilhas responsável pelo pecado. Porta fechada do pecado. 'femina', em latim, reunia na sua formação as palavras 'fide' e 'minus', o que quer dizer menos fé.
Uma porca disfarçada de freira veio ensinar um homem a escrever. A sabedoria era perigosa para a mulher medieval, tanto, que os outros protegiam-se.
É inimaginável este detalhe com 5 séculos. Depois de defecar a gula, flores, perante o olhar feminino na mantilha transparente.
As noticias de novas terras e gentes em África iam chegando com os navios. A maçã pertencia também à raça negra. Belo é o desequilíbrio da simetria.
É belo o equilíbrio geométrico da composição, onde a garra submete a presa, o animal serve o homem e este desfruta a oportunidade de viver.
O pólen e o sémen na origem da vida e da escravização ao pecado. A limitação ao tipo de sementes. A beleza do aparelho reprodutor feminino no seu ciclo de fertilidade. O útero e a abertura vaginal.
Os navegadores alargaram o mundo e as raças, demonstrando que o berço era maior do que se julgava. Os indígenas eram outra face da raça humana.
Dar à luz a vida e dar à luz de novo. O clarão, o morango sexual e a fuga. Qual a culpa de Josef K.?
2 comentários:
Hoje visitei o Masp São Paulo pela primeira vez e As Tentações de Santo Antão "primeira versão" foi uma das obras que mais me chamou a atenção.
Nunca fui muito ligado a arte, mas as obras de Bosch me chamaram bastante a atenção.
É incrível o que se passava na cabeça dele a centenas de anos atrás, isso me faz acreditar ainda mais no que meu professor de história contava a respeito da veracidade do que aprendemos sobre o passado na escola.
Digo isso pois um homem como Bosch precisava se inspirar em alguma coisa e toda essa urgia e pecado que está nos trabalhos dele deve ter feito parte de sua época.
Interessante.
Obrigado pelo comentário. O homem recria no bem e no mal que tem no coração, a sua época. Um abraço de Portugal.
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