Maria de Lurdes Resende - Moleirinha



Pela estrada plana toc, toc, toc

Guia o jumentinho uma velhinha errante

Como vão ligeiros, ambos a reboque,

Antes que anoiteça, toc, toc, toc

A velhinha atrás, o jumentinho adiante!


Toc, toc, a velha vai para o moinho,

Tem oitenta anos, bem bonito rol!

E contudo alegre como um passarinho,

Toc, toc, e fresca como o branco linho,

De manhã nas relvas a corar ao sol.


Vai sem cabeçada, em liberdade franca,

O jerico ruço duma linda cor;

Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,

Tange-o, toc, toc, moleirinha branca

Com o galho verde duma giesta em flor.


Toc, toc, é tarde, moleirinha santa!

Nascem as estrelas, vivas, em cardume.

Toc, toc, toc, e quando o galo canta,

Logo a moleirinha, toc, se levanta,

Pra vestir os netos, pra acender o lume.


Toc, toc, como o burriquito avança!

Que prazer d'outrora para os olhos meus!

Minha avó contou-me quando fui criança,

Que era assim tal qual a jumentinha mansa

Que adorou nas palhas o menino Deus.


Toc, toc, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,

Moleirinha branca, branca de luar!...

Toc, toc, e os astros abrem diamantinos,

Como estremunhados querubins divinos,

Os olhitos meigos para a ver passar.


      Maria de Lourdes Resende, os anos 50, 60 e 70, o Rádio Clube Português, a Emissora Nacional e  os míticos Serões Para Trabalhadores.


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