Maria do Rosário Pedreira - Hoje podes deitar-te

 


Hoje podes deitar-te na minha cama

e contar-me mentiras - dizer, não sei,

que o amor tem a forma da minha mão

ou que os meus beijos são perguntas que

não queres que ninguém te faça senão

eu; que as flores bordadas na dobra do

meu lençol são de jardins perfeitos que

antes só existiam nos teus sonhos; e que

na curva dos meus braços as horas são

mais pequenas do que uma voz que no

escuro se apagasse. Hoje podes rasgar

cidades no mapa do meu corpo e

inventar que descobriste um continente

novo - uma pátria solar onde gostavas

de morrer e ter nascido. Eu não me

importo com nada do que me digas esta

noite: amo-te, e amar-te é reconhecer o

pólen excessivo das corolas, o seu vermelho

impossível. Mas amanhã, antes de partires,

não digas nada, não me beijes nas costas

do meu sono. Leva-me contigo para sempre

ou deixa-me dormir - eu não quero ser

apenas um nome deitado entre outros nomes.


  Painting, Magritte's The Lovers


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