Rainer Maria Rilke - Livro das Horas

 


Deus fala a cada um só antes de o fazer.

Então sai calado, com ele para fora da noite.

As palavras, porém, antes que cada um comece,

essas palavras nubladas, são:

 

Enviado pelos teus sentidos,

vai até ao limite da tua saudade;

dá-me roupagens.

 

Atrás das coisas cresce como incêndio,

que as suas sombras dilatadas

me cubram sempre todo.

 

Deixa que tudo te aconteça: beleza e pavor.

Só é preciso andar: nenhum sentimento é mais longínquo.

Não te deixes apartar de mim.

É perto a terra

a que chamam vida.

 

Hás-de reconhecê-la

pela sua gravidade.

 

Dá-me a tua mão.


      A tradução é de Paulo Quintela. O poema é dominado pelo primeiro verso e é sobre um Deus não interventivo, que acaba por ser sempre interventivo na vida de cada um.


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