Alberto Caeiro - XXXVI E há poetas que são artistas




E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...

Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.

Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira.
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos
E não termos sonhos no nosso sono.

in, O Guardador de Rebanhos

      Este poema surgiu, hoje, no Exame Final Nacional de Português. Nele, Caeiro expõe a sua "teoria poética", que pode resumir-se ao seguinte: a poesia é o simples ato de captar a Natureza através dos sentidos de forma espontânea, de acordo com uma relação de comunhão e harmonia. Num outro sentido, movimentam-se os poetas que fazem da poesia um trabalho árduo de intelectualização, de exposição de conceitos e combinação artística das palavras.
      Repetindo, estamos perante o confronto entre uma forma de elaborar poesia caracterizada pela simplicidade, objetividade, espontaneidade, naturalidade, e outra artificial, muito pensada e elaborada.

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