Ana Moura - Desfado


 
Quer o destino que eu não creia no destino
E o meu fado é nem ter fado nenhum
Cantá-lo bem sem sequer o ter sentido
Senti-lo como ninguém mas não ter sentido algum.

Ai que tristeza, esta minha alegria
Ai que alegria, esta tão grande tristeza
Esperar que um dia eu não espere mais um dia
por aquele que nunca vem e aqui esteve presente.

Ai que saudade que eu tenho de ter saudade
Saudades de ter alguém que aqui está e não existe
Sentir-me triste só por me sentir tão bem
E alegre sentir-me bem só por eu andar tão triste.

Ai se eu pudesse não cantar "ai se eu pudesse",
e lamentasse não ter mais nenhum lamento
Talvez ouvisse no silêncio que fizesse
uma voz que fosse a minha a cantar alguém cá dentro.

Ai que desgraça, esta sorte que me assiste
Ai mas que sorte eu viver tão desgraçada
Na incerteza que nada mais certo existe
além da grande certeza de não estar certa de nada.
 
Pedro da Silva Martins, de Os Deolinda, é o autor dos versos e da melodia. Por certo, cansado de ouvir dizer que Amália Rodrigues "fez tudo o que ao fado diz respeito", tentou o que também em outras artes se faz: desconstruir. Des(fado) é um dos poucos regressos ao melhor de Portugal.

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