Manuel Freire - Lutaremos, meu amor, 1968

 


Pelo silêncio na planície pela tranquilidade em tua voz

pelos teus olhos verdes estelares pelo teu corpo líquido de bruma

pelo direito de seguir de mão dadas na solidão nocturna

lutaremos meu amor.


Pela infância que fomos pelo jardim escondido que não teve o nosso amor

pelo pão que nos recusam pela liberdade sem fronteiras

pelas manhãs de sol sem mácula de grades

lutaremos meu amor.


Pela dádiva mútua da nossa carne mártir

pela alegria em teu sorriso claro pelo teu sonho imaterial

pela cidade escravizada pela doçura de um beijo à despedida

lutaremos meu amor.


Pelos meninos tristes suburbanos

contra o peso da angústia contra o medo

contra a seta de fogo traiçoeira

cravada em nosso doce coração aberto

lutaremos meu amor.


Na aparência sozinhos multidão na verdade

lutaremos meu amor, lutaremos meu amor.


      A figura feminina, idealizada companheira de luta e de vida, aparece sob a designação "Amor", de contornos indefinidos, etérea, inatingível, fugidia, como um sonho que se esbate e se persegue sem nunca se alcançar. Os olhos são estelares, o corpo é líquido de bruma, o sorriso é claro, o sonho, imaterial. O poema, na sua simplicidade bela, quase se resume à ideia de uma luta pelas coisas bonitas da vida contra o seu lado feio: a tristeza, a fome, o medo, a violência, a angústia.


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