Delmira Agustini - O inefável

 


Eu morro de modo estranho... Não é a vida

que me mata, nem a morte, nem o amor,

mas um pensamento, calado como ferida.

Não sentistes nunca a estranha dor


de um pensamento imenso agarrado à vida,

que devora alma e carne e não chega a dar flor?

Não tivestes nunca dentro uma estrela adormecida

que vos queimava e não tinha fulgor?


Ó cabo dos Martírios! Carregar eternamente,

árida e estéril, a trágica semente

cravada nas entranhas como um dente feroz!


E um dia arrancá-la numa flor abrindo,

milagrosa, inviolável!... Como quem, sorrindo,

segurasse nas mãos a cabeça de Deus!


      Delmira Agustini nasceu em Montevidéu em 1886 e morreu na mesma cidade em 1914, morta aos 27 anos pelo ex-marido. Educada em família próspera, compôs os seus primeiros versos aos dez anos de idade, estudou francês, que falava fluentemente, e executava ao piano peças de Bach, Beethoven e Chopin, além de se dedicar ao desenho e à pintura. Abandonou a música e as artes visuais para se ocupar exclusivamente da literatura, que considerava a sua grande vocação. Neste soneto ela carrega a dor de um pensamento e a beleza da solução.


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