Claudio Rodríguez - Contemplação viva-II

 


Há quem toque na toalha, não na mesa,

no copo, mas não na água.

Quem pise muitas terras,

jamais a sua.

Mas perante este olhar que passou

e fundo me feriu com a sua limpa quietude

com tal singeleza emocionada

que me deixa e me dá

alegria e assombro

e sobretudo realidade,

fico-me vencido e vejo, vejo e sei.

o que se espera, que é aquilo que se sonha.


Desgosto de saber nestes olhos

tão passageiros, e não nos lábios,

porque os lábios roubam

e os olhos imploram.


Foi-se.


Quando tudo se for, quando eu me for também,

ficará este olhar

que pediu, e deu, sem tempo.


      O poema explora a perceção sensorial como via de revelação. A contemplação não é passiva: é dinâmica, feita de movimento interior e abertura ao real. A linguagem evidencia a fusão entre sujeito e mundo, onde cada detalhe cotidiano adquire intensidade simbólica. O eu lírico busca uma verdade que nasce do contraste entre lucidez e assombro, mostrando que o conhecimento poético emerge da experiência vivida. A luz, recorrente na obra do autor, funciona como metáfora de clareza espiritual. Assim, o poema celebra a transcendência possível no simples ato de olhar plenamente.


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