Ana Blandiana - Humildade



Nada posso fazer para que o dia

não tenha vinte e quatro horas.

Apenas posso dizer:

perdoa-me pela duração do dia.

Também não posso impedir

o voo das borboletas a partir das larvas.

Apenas posso implorar o teu perdão,

pelo voo das borboletas, pelas larvas,

perdoa-me pelas flores que se transformam em frutos

e os frutos em sementes e as sementes em árvores.

Perdoa-me pelos mananciais

que se convertem em rios e os rios

em mares e os mares em oceanos.

Perdoa-me pelos amores

que se transformam em recém-nascidos

e os recém-nascidos em solidões

e as solidões em amores.

Nada posso impedir.

Tudo segue o seu destino e nunca me pergunta nada.

Nem o último grão de areia, nem sequer o meu sangue.

Apenas posso dizer: perdoa-me.


      O poema reflete sobre a condição humana diante do tempo e do absoluto. A humildade surge como forma de lucidez: aceitar a vida como ela é, os limites, o silêncio e a fragilidade da resposta pequena. Daí o pedido de perdão.


Sem comentários:

Arquivo do blogue