Adélia Prado - Tempo

 


A mim que desde a infância venho vindo,

como se o meu destino

fosse o exato destino de uma estrela,

apelam incríveis coisas:

pintar as unhas, descobrir a nuca,

piscar os olhos, beber.

Tomo o nome de Deus num vão.

Descobri que a seu tempo

vão me chorar e esquecer.

Vinte anos mais vinte é o que tenho,

mulher ocidental que se fosse homem,

amaria chamar-se Eliud Jonathan.

Neste exato momento do dia vinte de julho,

de mil novecentos e setenta e seis,

o céu é bruma, está frio, estou feia,

acabo de receber um beijo pelo correio.

Quarenta anos: não quero faca nem queijo.

Quero a fome.


      No poema, Adélia trata o tempo como força íntima e inevitável, que transforma a vida enquanto revela a sua fragilidade. O poema destaca como o cotidiano — gestos simples, corpos, afetos — é marcado pela passagem temporal, que provoca perda, mas também maturação e lucidez. Prado valoriza o instante, mostrando que o tempo não é apenas medida, mas experiência sensorial e espiritual. Assim, o tempo torna-se não vilão, mas companheiro que ensina a perceber a beleza nas mudanças. Quanto ao nome Eliud Jonathan, parece ser inventado.


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