Carlos Marzal - A matéria do tempo

 


Talvez não exista o tempo – assim dizem alguns.

O presente contém, acaso, todo

o futuro que aguarda e o passado

onde nós fomos outros. Assim dizem.

O tempo, para mim, que sei que as palavras

são um jogo qualquer para passar o tempo,

é feito de caras desconhecidas

em cais, e de luas de espelhos

onde se deteve o meu fantasma,

de mentiras que não distingo já da verdade,

da dor antiga, que não hei-de aqui nomear,

os que amei e perdi, pelo barranco abaixo,

confusão e derrota, névoa e ruído.

O tempo é o que eu invento para escapar a tempo.


Não sei como há quem pense que o tempo não é real

(alguns inventam mesmo um absurdo demónio

a quem acabam por dar a alma).


O tempo não é um sonho, e a demonstrá-lo

aqui está o próprio tempo, que converte

estas palavras e quem as pronuncia

em carne de um olvido sem remédio.


   Do blogue Rua das Pretas, tradução de A.M.


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