Marta Sanz - Nós também

 


Nós também temos direito a viver.

As cadelas que mentem

e as que usam mordaça.

As ninas perpétuas

que são

velhas prematuras.

Bette Davis tem um vestido de renda,

meias curtas,

cheira a chicla

e apanha com um laço os cabelos.

Tem oitocentos setenta e nove anos

e canta uma canção

com inflexões vocais

de estrela juvenil,

sem precisar de dobragem.

Temos direito a viver,

nós também,

as tecedeiras tristes,

as retrospectivas,

as mulheres mimadas

que descuidam os filhos,

as lolitas caprichosas

que chupam o pau do gelado de manga.

Nós também temos direito a viver,

embora olhemos para a frente

todos os dias

e nos lancemos,

indomáveis e bruscas,

pela escada abaixo,

sem respeito por quem limpa,

direitas ao vazio.


      Marta Sanz (Madrid, 1967) é uma escritora espanhola, Doutorada em literatura contemporânea. A tradução e o poema original vêm do blogue A Rua das Pretas. O meu obrigado.


Nosotras también tenemos derecho a la vida.

Las perras que mienten.

Y las que llevan bozal.

Las niñas perpetuas

que son

viejas prematuras.

Bette Davis lleva un vestido de encaje,

calcetines cortos,

huele a chicle

y un lazo le recoge los tirabuzones.

Tiene ochocientos setenta y nueve años,

y canta una canción

con inflexiones vocales

de estrella juvenil.

No necesita doblaje.

Tenemos derecho a la vida.

También nosotras.

Las tejedoras tristes.

Las retrospectivas.

Las mujeres mimadas

que desatienden a los hijos.

Las lolitas caprichosas

que chupan el palo del polo de mango.

Nosotras también tenemos derecho a vivir.

Aunque todos los días

miremos al frente

y nos lancemos,

rudas e indomables,

sin consideración por la que limpia,

escaleras abajo,

hacia el vacío.


Sem comentários:

Arquivo do blogue