Tenho um decote pousado no
vestido e não sei se voltas,
mas as palavras estão prontas
sobre os lábios como
segredos imperfeitos ou gomos de água guardados para o verão.
E, se de noite as repito em
surdina, no silêncio
do quarto, antes de adormecer, é
como se de repente
as aves tivessem chegado já ao
sul e tu voltasses
em busca desses antigos recados
levados pelo tempo:
Vamos para casa? O sol adormece
nos telhados ao domingo
e há um intenso cheiro a linho
derramado nas camas.
Podemos virar os sonhos do
avesso, dormir dentro da tarde
e deixar que o tempo se ocupe dos
gestos mais pequenos.
Vamos para casa. Deixei um livro
partido ao meio no chão
do quarto, estão sozinhos na
caixa os retratos antigos
do avô, havia as tuas mãos
apertadas com força, aquela
música que costumávamos ouvir no
inverno. E eu quero rever
as nuvens recortadas nas janelas
vermelhas do crepúsculo;
e quero ir outra vez para casa.
Como das outras vezes.
Assim me faço ao sono, noite após
noite, desfiando a lenta
meada dos dias para descontar a
espera. E, quando as crias
afastarem finalmente as asas da
quilha no seu primeiro voo,
por certo estarei ainda aqui, mas
poderei dizer que, pelo
menos uma ou outra vez, já mandei
os recados, já da minha
boca ouvi estas palavras, voltes
ou não voltes.
A situação de quem fica, Sra. Rosário, é mais
triste do que a de quem parte. Quem fica sente dor e saudade.
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