Se eu soubesse a palavra,
a que subjaz aos milhões das que já disse,
a que às vezes se me anuncia num súbito silêncio
interior,
a que se inscreve entre as estrelas contempladas
pela noite,
a que estremece no fundo de uma angústia sem
razão,
a que sinto na presença oblíqua de alguém que não
está,
a que assoma ao olhar de uma criança que pela
primeira vez interrogou,
a que inaudível se entreouve numa praia deserta no
começo do Outono,
a que está antes de uma grande Lua nascer,
a que está atrás de uma porta entreaberta onde não
há ninguém,
a que está no olhar de um cão que nos fita a
compreender,
a que está numa erva de um caminho onde ninguém
passa,
a que está num astro morto onde ninguém foi,
a que está numa pedra quando a olho a sós,
a que está numa cisterna quando me debruço à sua
borda,
a que está numa manhã quando ainda nem as aves
acordaram,
a que está entre as palavras e não foi nunca uma
palavra,
a que está no último olhar de um moribundo, e a
vida e o que nela foi
fica a uma distância infinita,
fica a uma distância infinita,
a que está no olhar de um cego quando nos fita e
resvala por nós,
– se eu soubesse a palavra,
a única, a última,
e pudesse depois ficar em silêncio para sempre.
in, Uma Esplanada sobre o mar
Sr. Virgílio, cada verso deste poema anafórico toca-me no rosto.
Sr. Virgílio, cada verso deste poema anafórico toca-me no rosto.
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