«Como faz o sangue, volto ao coração, à tona, para ter ar. A
minha vida tem sido arrumar coisas dentro do peito. Desfazes-me as palavras e
as notas do piano e, com os dedos, constróis os meus pulmões para que eu possa
respirar. E assim as minhas melodias morrem contra o teu corpo, como pétalas
secas. Empurro tudo para dentro do coração, como se desse comida a uma criança,
colher atrás de colher. Lembro-me de teres posto os meus pés em cimento e de me
teres atirado a alma para o fundo do mar. Descobri: que era mesmo no fundo que
estava a superfície, era mesmo no fundo que era possível respirar. Quando não
estás - como se fosse possível não estares - caminho com as pernas arruinadas,
por dentro e por fora, e tento chegar a casa, andando à volta das costelas, à
espera que apareças, a apontar o teu coração ao meu, para me matares com um
abraço.»
Afonso Cruz fala da minha vida, muito melhor do que eu.
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