A vida de Hypatia

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Dois cliques sobre a pintura
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Esta pintura de Rafael encontra-se numa das salas da biblioteca do Vaticano. O seu título é Escola de Atenas. Na tela notam-se as presenças de Platão, Sócrates, Alexandre Magno, Anacreonte, Aristóteles, Diógenes, Epicuro, Euclides, Heráclito, Hipátia, Ptolomeu, Pitágoras, mas a figura central é Hypatia. Uma mulher bonita, vestida de branco e a olhar directamente para quem olha o quadro. Quem é Hypatia?
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Nascida no ano 355 em Alexandria, filha de Téon, último director da Biblioteca de Alexandria, foi educada para se tornar exemplo de perfeição e de virtuosidade. Mas como era possível a educação modelar, se a Escola de Atenas servia a mentalidade racional helenística do tempo? Platão defendia que 'a mulher, em relação à virtude, é naturalmente inferior ao homem' e Sócrates afirmava que 'a coragem do homem revela-se no comando, e a da mulher na obediência.'
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Apesar disso, Hypatia acabou por tornar-se, na sua época, num dos nomes mais respeitados da matemática, astronomia e filosofia. Entre os seus feitos incluem-se o aperfeiçoamento do astrolábio – um instrumento que mil anos depois ajudaria os portugueses a conquistar o globo pelos mares, assim como um conjunto de textos nos quais explica, com extraordinária simplicidade, algumas das grandes ideias científicas e filosóficas do classicismo helénico. Para esta mulher, o conhecimento devia ser acessível a todos.
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Muito se tem especulado sobre a sua vida privada. Já professora, aconteceu que um aluno se apaixonou por ela, declarando-se-lhe com pompa e circunstância. Em resposta Hypatia atirou-lhe um lenço manchado com o sangue da sua menstruação e, perguntou-lhe se era aquilo que ele queria desposar. Ascética e virgem, renunciaria até ao fim da sua vida a qualquer prazer conjugal. O seu corpo deveria ser, portanto, da sua exclusiva propriedade.
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Os tempos mudavam. Uma força começou a ganhar cada vez mais poder: o cristianismo. Depois de ter enfrentado o machismo legado pela filosofia clássica, chegava a vez de Hypatia ter que lidar com a misoginia dos santos teólogos da igreja cristã. O próprio São Paulo, numa das suas epístolas, protestava: 'não permito que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre os homens, mas que esteja em silêncio.'
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Acusada em praça pública de ir contra os costumes morais daquilo que devia ser uma boa mulher temente a Deus, a cientista e filosofa foi igualmente acusada de ser bruxa, - uma consequência infeliz de se ter profundos conhecimentos de astronomia e matemática, numa época em que a ignorância grassava como se fosse a peste negra. Eis como acabou por tornar-se num alvo a abater pela turba dos fundamentalistas. A tragédia era inevitável.
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Enquanto Hypatia circulava de carruagem pela cidade, uma milícia de cristãos fanáticos captura-a, arrastando-a pelo chão até uma das igrejas. No interior do santuário, a cientista é despida por mãos furiosas e apedrejada até à morte. Hypatia acabaria por ser santificada séculos mais tarde pela igreja católica. A sua morte, em 415, acabou por marcar o fim de uma era de racionalidade e conhecimento e deu entrada à chamada 'idade das trevas'. A ciência iria emudecer até ao Renascimento e a voz emancipada das mulheres por muito mais tempo.
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Todavia, no século XVI, o pintor renascentista Rafael decidiu vingar o seu assassínio de forma peculiar. Enquanto ornamentava o tecto da sumptuosa biblioteca pessoal do Papa Júlio II, o mestre de Florença ousou pintar um fresco no qual Hypatia surge em posição central, por baixo das figuras de Platão e Aristóteles. Como seria de prever, o Sumo Pontífice odiou a ideia e proibiu que a imagem aparecesse. No entanto, Rafael desobedeceu. Sorrateiramente, introduziu Hypatia na pintura, disfarçando-a noutra personagem. No fim, o destino tornou-se ironia, pois apesar ter sido condenada à morte por um patriarca cristão, a sua imagem observa até hoje, com um olhar directo e altivo, os líderes da igreja católica.
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