«a
sombria beleza do tema
da
estação e da morte» diz o Kundera algures.
nesta
imagem desenha-se um olival perdido
de
surdas tonalidades, atrás do cais de onde
se
despenhou alguém, alguma forma
aflita
e trágica, vinda do fundo súbito de uma
paisagem
tão modesta, sob as vozes
de
quem chega a quem parte, ou simplesmente foi ali para olhar
outros
seres de passagem, outros rasos destinos sem anjo para o
remorso.
há
flores, dirás, algumas flores diurnas, confiantes,
que
outras mãos hão-de dispor na jarra, relembrada
junto
à parede branca, mas essas são um ténue
sopro
de acaso, ou um fulgor antecipando outra nudez.
quando
a luz já se tornou mais húmida e quase musical,
e
através da folhagem a harpa do desgaste estremeceu,
e
passaram as horas e passaram
pesadas,
contadas, divididas, já não dói
a
beleza de alguém que vai partir, a sombria beleza
da
sua ocultação intransmissível, uma brisa leve misturar-se-á
ao
cheiro de óleo, aos acenos afectuosos, aos
ruídos
do tema da estação. é tudo. à noite o olival
será
uma massa negra de clareiras adiadas,
atrás
do cais sem ninguém e sem tempo, como sempre acontece
nas
pequenas estações de uma província da alma.
in,
Rosa do Mundo
O poema reflete sobre a atração paradoxal pelo trágico e pela
memória que fere. A linguagem depurada evidencia como a beleza pode nascer da
dor, explorando tensões entre luz e sombra, presença e perda. O sujeito poético
contempla o passado como algo inevitável, que retorna e molda a identidade. A
musicalidade e o rigor formal reforçam a serenidade melancólica com que o poeta
transforma a experiência dolorosa em arte.

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