Não
acredito que haja quem não tenha avistado uma vez que
fosse o avesso
do
mundo.
Mas
com receio
de
se enganar ou de vir a ser
perseguido,
quem aí esteve não sabe como
dizê-lo
ou o que contar sem perigo.
E se
acaso algo viram, atentaram depois
no
que lhes foi possível discernir
do
avesso do mundo?
Nas
escolas são as crianças proibidas de
falar
nisso umas às outras
e as
professoras explicam-lhes que é para bem delas, para lhes
guardar
a candura, é falso, é para
não
se meterem em trabalhos e não correrem o risco
de
pôr lado a lado afirmações opostas
tão
verdadeiras umas como outras
porque
ajustá-las entre si nunca deu resultado nem trouxe a paz
às
famílias. Como explicar isto a quem vive na crença de que é preciso
escolher,
trinchar, riscar do quadro o que está mesmo a ver que não é
preto
nem branco, cru ou cozido, duro ou mole?
Assim
as constituições regem os países, se escrevem as leis e
regulamentam
os jogos,
se
anunciam os modelos de vida, os exemplos
morais
os feitos
heroicos
os bravos
suicidas.
O poema explora a tensão entre linguagem, poder e
consequência. O título condensado e fragmentado sugere simultaneamente "tratado", "dito" e "efeito", indicando que toda afirmação produz impacto
político e simbólico. A escrita joga com a materialidade da palavra,
aproximando poesia e gesto visual, característica do autor-pintor. Há ironia e
crítica à retórica institucional: o discurso não é neutro, organiza realidades
e legitima ações. O poema desmonta certezas, expondo como o sentido nasce do
conflito entre o que se diz e o que acontece. Assim, a linguagem surge como
campo de luta, não como mero instrumento comunicativo.

Sem comentários:
Enviar um comentário