Eu
vinha, pé ante pé, em busca da pequena porta
que
dava acesso aos mistérios da noite,
daquela
noite em particular, por ser a mais terna
de
todas as noites que a minha memória
era
capaz de guardar, com letras e sons,
no
seu bojo de coisas imateriais e imperecíveis.
Tinha
comigo os cães e os retratos dos mortos,
a
lembrança de outras noites e de outros dias,
os
brinquedos cansados da solidão dos quartos,
os
cadernos invadidos pelos saberes inúteis.
E
todos me diziam que era ainda muito cedo,
porque
a meia-noite morava já dentro do sono,
no
território dos anjos e dos outros seres alados,
hora
inatingível a clamar pela nossa paciência,
meninos
hirtos de olhos fixos na claridade
enganadora
de uma árvore sem nome.
Depois, o meu pai morreu e as minhas ilusões também.
Quando
Dezembro se aproximar do fim,
lançarei
pétalas ao vento como se tentasse
semear
o perfume do que fui enquanto acreditei.
Talvez
o homem volte com outro embrulho secreto,
só
para me dizer que esse é o livro que ainda me falta escrever.
Então,
juntarei os amigos, os filhos e os netos
numa
roda de luz à minha volta e direi do Natal
o
que os antigos diziam dos heróis e dos deuses:
foi
à sombra deles que nos fizemos homens.
Quando
eu partir de vez, lembrem ao menos
a
ternura do meu sorriso de menino
quando
a meia-noite soava no relógio da sala
e eu
acreditava ainda que a felicidade era possível.
O poema constrói uma reflexão melancólica sobre a perda do
sentido humano do Natal. O eu poético evoca os Natais da infância marcados pela
magia, contrastando-os com a celebração adulta, dominada por uma festa
esvaziada da antiga beleza.

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