Tiago Nené - Criaturário

 

limpamos o sujo do nosso vinil

com a ilha nua que as mãos formam;

a música não nos atinge; as metáforas

sabem a mercúrio, os hábitos são ecos

de delfim;

a palavra reflecte o homem,

o homem há muito que deixou

de reflectir a palavra, desde que o vento

pediu às nuvens que inventassem outra vez

o amor, sem respeito pelas situações

adquiridas ao abrigo das leis anteriores;

o nosso amor antigo tem lascas,

o desamor actual tem corrosão verde;

hoje desapertamos todo o esforço do mundo

e pelas mãos entramos no disco de vinil;

e sempre que alguém se aperceber

de um pequeno salto na agulha, somos nós

evitando uma onda.


      Certa vez, numa aula clara, um aluno disse-me "A culpa?! A culpa é da sua geração!" Este poema fez-me lembrar o Luís, que achava que desde Maio de 68 o mundo tinha perdido o melhor que tinha tido, tendo se tornado materialista, hedonista e relativista.


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