Manuel António Pina - Depois



Primeiro sabem-se as respostas.

As perguntas chegam depois,

como aves voltando a casa ao fim da tarde

e pousando, uma a uma, no coração

quando o coração já se recolheu

de perguntas e de respostas.


Que coração, no entanto, pode repousar

com o restolhar de asas no telhado?

A dúvida agita

os cortinados

e nos sítios mais íntimos da vida

acorda o passado.


Porquê, tão tardo, o passado?

Se ficou por saldar algo

com Deus ou com o Diabo

e se é o coração o saldo

porquê agora, Cobrança,

quando medo e esperança


se recolheram também sob

lembranças extenuadas?

Enche-se de novo o silêncio de vozes despertas,

e de poços, e de portas entreabertas,

e sonham no escuro

as coisas acabadas.


      O poema surgiu no livro, Nenhuma palavra e nenhuma lembrança. São versos de fim de vida, onde o reajustar moral de tudo o que não está ainda resolvido, é imposição do caráter. Uma saudade, o Sr. Pina.

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