Nada
me pertenceu - nem o vestido indecente
que
pedi emprestado para te oferecer os seios, nem
os
seios, que eram já teus muito antes do vestido.
O
sorriso que devassou brevemente o meu rosto não
me
pertenceu; porque ninguém o viu antes de ti,
nem
o espelho se convenceu a devolver-mo.
Todas
as coisas que a casa guardou quando partiste não
me
pertenceram; porque, ao tocar-lhe nos dias mais
cinzentos,
sinto que é pelo calor dos teus dedos que ainda
gritam;
e mesmo a cama onde só o teu corpo era bem-vindo
nunca
chegou a ser inteiramente minha, pois, de contrário,
encontraria
nela o meu lugar, e não o teu vazio.
Tu
não me pertenceste - e, se uma vez acreditei que
acontecias
dentro do meu corpo, das outras vi-te abraçar a
solidão
com tanto ardor que concluí ser a memória quem
te
mantinha vivo. O meu coração, contudo, sempre
te
pertenceu - e a mão desesperada que o procura não
sente
bater longe do teu peito. E mesmo os poemas todos
que
escrevi não me pertenceram, porque essa vida
que
pulsava no papel levaste-a tu contigo na hora
em
que te foste - e a que tenho agora é mais
branca
e vazia do que a morte, não é vida nem nada
que
eu queira alguma vez que me pertença.
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