Qualquer
lugar onde tenha havido trigo
guarda
sempre dele algum sinal
que
não deixa esquecer a antiga seara
—
aquela que ondulava aos ventos de Maio,
igual
a um rebanho verde subindo encosta acima,
sem
pastor nem cães para o guiar.
(Quem
precisa de guias quando é Maio?)
Talvez
se trate de uma questão de cheiro.
Ou
de algum outro sentido
que
ainda está por identificar.
Ou
de uma espécie ignorada de memória
que
se agarra ao lugar e nele persiste.
Seja
o que for,
anda
ainda no ar a presença de espigas
mesmo
quando o desuso as expulsou
e
ervas bravias lhes tomaram o lugar
— e
por isso tanto nos magoa
toda
a terra de que lavoura alguma
já não extrai o pão.
Antes de ontem, aqui em Nagosela, pediram-me para levar entre 60 a 70 ovelhas ao curral que distava mais ou menos quilómetro e meio do sitio onde estavam. Disseram que as ovelhas sabiam o caminho e que bastava deixa-las ir. Sozinho, fui atrás. De repente, as da frente viram pasto verde ao longe, fugiram do trilho e todo o rebanho foi atrás. Correram como uma manada de búfalos e eu atrás delas. Hoje, ao ler este poema, que nem é sobre rebanhos, resolvi partilhar. O som das unhas no chão, a poeira, o pau a servir de cajado, os meus berros, a luz do por do sol fizeram outro poema.
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