Yehuda Amichai - Um homem não tem tempo

 


Um homem não tem tempo na sua vida

para ter tempo para tudo.

Não tem estações que cheguem para ter

uma estação para cada fim. O Livro do Eclesiastes

enganou-se a esse respeito.

 

Um homem precisa de amar e odiar ao mesmo tempo,

de rir e chorar com os mesmos olhos,

de atirar pedras e apanhá-las com as mesmas mãos,

de fazer amor na guerra e guerra no amor.

E de odiar e perdoar e recordar e esquecer,

de organizar e confundir, de comer e digerir

o que a história

demora anos e anos a fazer.

 

Um homem não tem tempo.

Quando perde procura, quando encontra

esquece, quando esquece ama, quando ama

começa a esquecer.

 

E a sua alma é experimentada, a sua alma

é profissionalíssima.

Só o corpo se mantém para sempre

um amador. Que tenta e falha,

desnorteando-se, sem aprender nada,

ébrio e cego nos seus prazeres

e dores.

 

Morrerá como morrem os figos no Outono,

engelhado e repleto de si mesmo e doce,

com as folhas a ressequirem no chão,

e os ramos nus a apontarem para o lugar

onde há tempo para tudo.


       Shakespeare escreveu em Henrique IV, "o pensamento é escravo da vida, e a vida é o bobo do tempo". Neste último, de pouco vale ao bobo separar Deus do Diabo, porque na maior parte das vezes vivem juntos. O Cristianismo, neste caso o Eclesiastes, apenas separa os opostos por razões pedagógicas.   

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