Lembrava-se dele e, por amor, ainda que pensasse
em serpente, diria apenas arabesco; e esconderia
na saia a mordedura quente, a ferida, a marca
de todos os enganos, faria quase tudo
por amor: daria o sono e o sangue, a casa e a alegria,
e guardaria calados os fantasmas do medo, que são
os donos das maiores verdades. Já de outra vez mentira
e por amor haveria de sentar-se à mesa dele
e negar que o amava, porque amá-lo era um engano
ainda maior do que mentir-lhe. E, por amor, punha-se
a desenhar o tempo como uma linha tonta, sempre
a cair da folha, a prolongar o desencontro.
E fazia estrelas, ainda que pensasse em cruzes;
arabescos, ainda que só se lembrasse de serpentes.
Certa vez, estive a ouvir esta Senhora recitar e pensei comigo 'como é que um ser humano tão pequeno consegue escrever assim?'. Todos somos pequenos, alguns têm muito talento. O poema revela o lado feminino numa certa relação amorosa, onde o amor é um engano mas continua a ser amor.
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