Cantiga
Não sou casado, senhora,
que ainda não dei a mão,
não casei o coração.
Antes que vos conhecesse,
sem errar contra vós nada,
uma só mão fiz casada,
sem que mais nisso metesse.
Dou-lhe que ela se perdesse!
solteiros e vossos são
os olhos e o coração.
Dizem que o bom casamento
se há de fazer de vontade.
Eu, a vós, a liberdade
vos dei, e o pensamento.
Nisto só me achei contento:
que, se a outrem dei a mão,
dei a vós o coração.
Como, senhora, vos vi,
sem palavras de presente
na alma vos recebi,
onde estareis para sempre,
não de palavra somente;
nem fiz mais que dar a mão,
guardando-vos o coração.
Casei-me com meu cuidado
e com vosso desejar.
Senhora, não sou casado,
não mo queirais acuitar!
que servir-vos e amar
me nasceu do coração
que tendes em vossa mão.
O casar não fez mudança
em meu antigo cuidado,
nem me negou a esperança
do galardão esperado.
Não me engeiteis por casado,
que, se a outra dei a mão,
a vós dei o coração.
Bernardim legitima o adultério neste poema. O poeta confessa que pelo casamento ofereceu unicamente uma mão à sua esposa legitima, tendo o coração ficado livre para ser amado. Amar, amar e a antiga fuga à solidão.
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