Casar só uma mão ou a defesa do adultério segundo Bernardim Ribeiro

 


  Cantiga

 

    Não sou casado, senhora,

    que ainda não dei a mão,

    não casei o coração.

 

Antes que vos conhecesse,

sem errar contra vós nada,

uma só mão fiz casada,

sem que mais nisso metesse.

Dou-lhe que ela se perdesse!

solteiros e vossos são

os olhos e o coração.

 

Dizem que o bom casamento

se há de fazer de vontade.

Eu, a vós, a liberdade

vos dei, e o pensamento.

Nisto só me achei contento:

que, se a outrem dei a mão,

dei a vós o coração.

 

Como, senhora, vos vi,

sem palavras de presente

na alma vos recebi,

onde estareis para sempre,

não de palavra somente;

nem fiz mais que dar a mão,

guardando-vos o coração.

 

Casei-me com meu cuidado

e com vosso desejar.

Senhora, não sou casado,

não mo queirais acuitar!

que servir-vos e amar

me nasceu do coração

que tendes em vossa mão.

 

O casar não fez mudança

em meu antigo cuidado,

nem me negou a esperança

do galardão esperado.

Não me engeiteis por casado,

que, se a outra dei a mão,

a vós dei o coração.


      Bernardim legitima o adultério neste poema. O poeta confessa que pelo casamento ofereceu unicamente uma mão à sua esposa legitima, tendo o coração ficado livre para ser amado. Amar, amar e a antiga fuga à solidão.

Sem comentários:

Arquivo do blogue