Uma limpeza geral é uma coisa
inteiramente séria,
pela crueldade, principalmente.
Tirar ao objecto a patina, mesmo
invisível,
supõe um agravo indiscutível
para o objecto que esperou
pacientemente.
Apóstatas do pó
que tendes ainda a fé bastante
para crer
que depois de limpar o pó
o pó está,
como dita a ciência,
muito mais limpo,
dizei-me cá: a que distância da
mancha
ficou o verso abandonado?
Se bem que, não esqueçamos, desde
que se queira,
tudo pode ser poetizável.
Vejamos:
a) Desalojar o pó do livro
tem o seu próprio tempo, lembrando
a lentidão do pulso nas margens do
teu corpo.
b) Lançar ao mar
o resto de suor com que me amaste
tem também o seu ritmo.
c) Isso dos pentes é melhor nem
falar,
antes de mais pela minha obssessão.
Claro, depois da tristeza, própria
das coisas limpas,
como é que se pode continuar a amar
o quadro da flor
que jamais será a mesma?
Temos de ter isso em conta.
Acontece às vezes
quando a casa está limpa
que pinta uma vertigem (podia
jurar)
que me traz lembranças.
Certos inconvenientes considero-os
lógicos:
por exemplo, ter de ir comprar
urgentemente,
que sei eu, roupa interior
ou perfume para o gato,
sim que até hoje nunca ninguém me
disse
que eu não podia ter um gato.
O céu, esse sim, vê-se mais diáfano
com a casa limpa, despojada
daquilo que outrora nos ajudou
talvez
a amar-nos.
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