Madalena de Castro Campos - Nua e crua


Sabia que olhavam para si
com a atenção suja
que se dedica aos vizinhos da frente.
Ao homem, à mulher, à filha mais velha,
à miséria de uns e à ingenuidade dos outros,
espreitando-lhes a intimidade pela fenda
da janela entreaberta.
Os passos entre a sala e a cozinha, entre o quarto
e a casa de banho, a televisão, o álcool, o tabaco,
o vai e vem inquieto no colchão,
os corpos nus, as discussões,
o sangue e a violência se se tivesse sorte.
Sabia-o, desejava-o,
mostraria o que houvesse para mostrar.
Talvez estivesse a ser usada, mas queria crer
que ela mesma usava aqueles que a liam.

Não conhecia, em literatura,
outro fim, outra estratégia ou outra moral.

Sem comentários:

Arquivo do blogue