Robert Musil



   «Se quisermos passar sem problemas por portas abertas, é bom não esquecer que elas têm ombreiras sólidas; este princípio, segundo o qual o velho professor sempre tinha vivido, mais não é do que uma exigência do sentido de realidade. Ora, se existe um sentido de realidade – e ninguém duvidará de que ele tem direito à existência –, então também tem de haver qualquer coisa a que possamos chamar o sentido de possibilidade.
      Aquele que o possui, não diz, por exemplo: isto ou aquilo aconteceu, vai acontecer, tem de acontecer aqui, mas inventará: isto ou aquilo poderia, deveria, teria de ter acontecido aqui. E quando lhe dizem que uma coisa é como é, ele pensa: provavelmente, também poderia ser diferente. Assim, poderia definir-se o sentido de possibilidade como aquela capacidade de pensar tudo aquilo que também poderia ser e de não dar mais importância àquilo que é do que àquilo que não é.»

      in, O Homem sem Qualidades

      Não recopiar, mas inferir. O sentido de possibilidade parte da atitude reactiva para a pró-activa. 

2 comentários:

David Barbosa disse...

Esta obra é de leitura difícil e lenta.
Mas o que Musil lamenta no mundo moderno é o excesso burocrático de uma certa realidade social, pobre espiritualmente, repetitiva nas ambições.
Face a esta realidade que se abra a outra da possibilidade! O problema é que os que se aventuram por esta via são mal compreendidos, não são aceites, são os poetas, os santos, os loucos, marginais.
Ora os termos «reactivo» e «pró-activo» são vocábulos deste mundo consumista, empreendedor mas dentro do enquadramento capitalista, da produção fácil de lucro.
Logo, são conceitos que seriam criticados por Musil.
Já agora, mais um pouco do extrato:

«Como se vê, as consequências desta disposição criadora podem ser notáveis; infelizmente, não é raro que façam aparecer como falso aquilo que as pessoas admiram e como lícito aquilo que elas proíbem, ou então as duas coisas como sendo indiferentes. Esses homens do possível vivem, como se costuma dizer, numa trama mais subtil, numa teia de névoa, fantasia, sonhos e conjuntivos; se uma criança mostra tendências destas, acaba-se firmemente com elas, e diz-se-lhe que tais pessoas são visionários, sonhadores, fracos, gente que tudo julga saber melhor e em tudo põe defeito. Quando se quer elogiar estes loucos, chama-se-lhes também idealistas, mas é claro que com isso só se alude à sua natureza, débil, incapaz de compreender a realidade, ou que a evita por melancolia, uma natureza na qual a falta do sentido de realidade é um verdadeiro defeito.»

António disse...

Eu aprendi os conceitos de «reactivo» e «pro-activo» pela Rosa Carvalho num contexto de gestão de recursos humanos, mas fui adaptando os mesmos à vida: ou se faz 'mimesis' (cópia) como dizia Aristóteles ou nos envolvemos a recriar. Eu senti que Musil ao sugerir ou defender "outra possibilidade" estava a propor essa fuga para a frente, como diria Pestalozzi "inferir".

Hoje vou a Belmonte com as gentes de Canas e de Parada de Gonta. Vou rever Pedro Álvares Cabral e vou à sinagoga rezar. Estou 'um pouco' animado.

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