António Alçada Baptista

    Sei é que houve um tempo em que vivi completamente submergido pelas culpabilidades que me puseram nos ombros logo que nasci e não estou inteiramente certo de que me tenha libertado delas. Foi a pouco e pouco que comecei a compreender que os meus pecados eram tão normais e desinteressantes como os do comum dos mortais e que muitos desses pecados foram experiências fabulosas que tornaram a minha vida mais rica, mais interessante e mais divertida. Eu hoje acho que tenho a normal fragilidade da condição humana mas por isso não me acho um pecador. A certa altura descobri que andar à volta do perdão dos pecados era uma maneira de agravar as nossas culpabilidades: quanto mais as pessoas se arrependem e se confessam mais se sentem presas desse círculo vicioso de se ajoelhar e levantar aos pés do poder divino, num vaivém eterno entre o pecado e o perdão que lhes tira o tempo todo, até para praticar o bem. Sair daí é a única maneira de assumir a consciência da nossa liberdade, das nossas responsabilidades para connosco e para com os outros. Mas, será possível a gente libertar-se inteiramente da culpa? Eu não sei por que caminhos subtis passam hoje as minhas culpabilidades.

    in, O Riso de Deus

    "Vai e não voltes a pecar!" - dizem eles.

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