Gosto da palavra reparar, pois transporta para o acto de ver uma polissemia e uma ética. Reparar introduz-nos por si só numa lentidão, porque aquilo a que alude não é um observar qualquer: é um ver parado, um revisar porventura mais minucioso do que um mero relance; é uma visão segunda, uma nova oportunidade, isso que Merleau-Ponty dizia ser o único enigma que a visão celebra.
Mas reparar é mais do que isso: põe também em prática uma reparação, um processo de restauro, de resgate, de justiça. Como se a quantidade de meios-olhares e sobrevoos que dedicamos às coisas fosse lesivo dessa ética que permanece em expectativa no encontro com cada olhar. Por isso, de certa forma, só quando reparamos começamos a ver.
As maçãs de Cezanne têm, a qualquer momento que reparamos nelas, o poder de fazer-nos tocar a substância da terra, como se fossemos o primeiro homem. A contemplação começa quando aceitamos que não sabemos ver, que a nossa visão é parcial e pobre, que vemos sempre "como que por espelho e de maneira confusa" (ICor 13,12). A contemplação é um despojamento dos porquês. Simone Weil diria que só contemplaremos uma maçã, quando não tivermos intenção de comê-la. Esse é o armistício capaz de desencadear o espanto.
José Tolentino Mendonça
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