Federico García Lorca - Romance sonâmbulo



A Gloria Giner
e a Fernando de los Rios

Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de prata fria.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
Todas as coisas estão a olhá-la
e ela não pode olhá-las.



    "Verde que te quero verde" é um dos versos mais belos do Romancero Gitano. Mais que o calor da Andaluzia ou os ciganos e as carroças; as guitarras e os acordes Lam, Sol, Fa, Mi; as traições e as facas, os versos desta trova neo-medieval que no final dos anos 20 passava de boca em boca.

Verde que te quero verde.
Grandes estrelas frias
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira esfrega o vento
com a lixa dos seus ramos,
e o monte, gato gardunho,
eriça as suas pitas ásperas.
Mas quem virá? E por onde?...
Ela fica na varanda,
verde carne, tranças verdes,
ela sonha com a água amarga.



    O poeta chama a natureza verde, a lua com a sua sinistra presença branca, a mulher, a água com a sua capacidade de fecundação e de erotismo e toda a fauna e a flora para alinhar o processo de criação.

— Compadre, troco o meu cavalo
pela sua velha casa,
o arreio pelo seu espelho,
a sua manta pela minha faca.
Compadre, venho a sangrar
desde as gargantas de Cabra.
— Ah, se pudesse, rapaz,
esse contrato fechava.
Eu, porém, já não sou eu,
nem a casa é minha casa.

— Compadre, quero morrer
com decência, na minha cama.
De ferro, se puder ser,
e com lençóis de cambraia.
Não vê a ferida que tenho
do meu peito à garganta?
— Trezentas rosas morenas
traz a tua camisa branca.
Teu sangue ressuma e cheira
em redor da tua faixa.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Deixai-me subir ao menos
até às altas varandas.
Que eu possa subir! que o possa
até às verdes varandas.
Balaustradas da lua
por onde ressoa a água.


    Sobre a lua escreveu Lorca no Romancero "Foge lua, lua, lua. Se vierem os gitanos, farão do teu coração colares e aneis mui brancos." Mais que a cama de ferro, as trezentas rosas morenas, a "lua onde ressoa a água".

Já sobem os dois compadres
até às altas varandas.
Deixando um rastro de sangue.
Deixando um rastro de lágrimas.
Tremiam pelos telhados
candeeirinhos de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.

Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramas.
Os dois compadres subiram.
O longo vento deixava
na boca um gosto esquisito
de fel, menta e alfavaca.
— Que é dela, compadre, dize-me
que é da tua menina amargurada?
— Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperara,
rosto fresco, negras tranças,
aqui nesta verde varanda!

Sobre a face da cisterna
balançava-se a cigana.
Verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Ponta gelada de lua
sustenta-a por cima da água.
A noite fez-se tão íntima
como uma pequena praça.
Lá fora, batiam à porta
guardas-civis embriagados.

Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar.
E o cavalo na montanha.



    Federico García Lorca nasceu em Fuente Vaqueros, em 5 de junho de 1898, e morreu assassinado pela ditadura de Franco em 19 de agosto de 1936.

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