Memória 4

    Aos seis anos as árvores integram a inocência. Com essa idade vivia com o meu pai e com as famílias de mais oito guardas fiscais, num posto de fronteira alentejano de nome Penalva perto de Aldeia Nova de São Bento. Era o ano de 1964. O lugar era o conjunto de 8 casas em linha, a casa do cabo, o poço, o forno e o posto da guarda, ermo no meio dos montes. A paisagem oferecia giestas, romãzeiras, azinheiras, sobreiras e carvalhos.
    Num fim de uma tarde de sábado, os guardas, que nesse dia tiveram pouco que fazer, resolveram fazer uma fritada. As pessoas juntaram-se em volta de três árvores carregadas de pássaros e de ninhos. Eu sentei-me a fazer desenhos com pedras de xisto numa laje maior. Os guardas carregaram as armas com balas de caçadeira e ao mesmo tempo dispararam.
    O chão ficou coberto de passaritos mortos ou a espernear e todos apanhavam para um cesto com as mãos cheias de sangue. E nunca mais fui o mesmo.

    António

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