Afonso Cruz



Achei muito estranho que acedessem à minha petição - à petição que irei relatar de seguida -, sem qualquer inquérito por escrito. Não tenho números suficientes para descrever como me senti feliz com a decisão. Nesse dia, à noite, ao jantar, levantei-me e declarei:
Gostava de ter um poeta. Podemos comprar um?
A mãe não disse nada, limitou-se a levantar a louça, quatro pratos de sopa, quatro colheres de sopa e informar os comensais, eu e o pai e o meu irmão, de que a carne seria servida de seguida, dentro de trinta segundos. O pai acabou de mastigar um bocado de pão, cerca de treze gramas, moveu os maxilares cinco vezes e inquiriu:
Porque não um artista?
A mãe disse:
Nem pensar, fazem muita porcaria, a senhora 5638,2 tem um e despende três a quatro horas por dia a limpar a sujidade que ele faz com as tintas naqueles objectos brancos.
Telas.
Isso.
Muito bem, disse o pai, compramos um poeta. De que tamanho?

in, Vamos comprar um Poeta

      Sinopse: "Numa sociedade imaginada, o materialismo controla todos os aspecto das vidas dos seus habitantes. Todas as pessoas têm números em vez de nomes, todos os alimentos são medidos com total exactidão e até os afectos são contabilizados ao grama. E, nesta sociedade, as famílias têm artistas em vez de animais de estimação. A protagonista desta história escolheu ter um poeta e um poeta não sai caro nem suja muito - como acontece com os pintores ou os escultores - mas pode transformar muita coisa. A vida desta menina nunca mais será igual…
      Uma história sobre a importância da Poesia, da Criatividade e da Cultura nas nossas vidas, celebrando a beleza das ideias e das ações desinteressadas." Caminho, 2016

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